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O Deserto das Brasas Silentes

  A poeira negra do deserto de Kael’Zyth envolvia Arien como um véu incandescente, embora n?o houvesse chama visível. Cada passo afundava a bota na areia fina e fria ao toque, como se carv?o em brasa tivesse sido moído até virar pó. O horizonte ondulava em miragens: torres vivas de calor que se distanciavam conforme ele avan?ava. Por entre o silêncio mortal, um sussurro baixo se repetia — era o eco da Chama Estática, o fogo que n?o deixa calor.

  Ele lembrou-se da noite em que viu, pela primeira vez, a ideia do fogo sem chama.

  


  — N?o é o calor que mata — ensinou Khron numa voz rouca —, mas o vazio que ele deixa. A chama estática n?o consome madeira nem carne; consome a vontade de viver.

  Arien sacudiu a cabe?a, tentando afastar o afago da memória dolorosa. O deserto se estendia, monótono, mas ele n?o caminhava só: trazia consigo o fragmento de pedra negra, guardado no bolso, pulsando em compasso com sua determina??o. A cada pulsar, sentia uma fisgada nos ossos, como se aquela relíquia quisesse escapar e voltar às m?os dos responsáveis pela destrui??o de Mahran.

  Quando o sol atingiu o zênite, o calor tornou-se uma ilus?o perfeita: Arien n?o suava, e ainda assim sentia o ar pesado, carregado de uma energia letal. Foi nesse instante que ele avistou, entre duas dunas, a sombra de uma silhueta. Pareceu um homem curvado, trajando um manto quase translúcido, como se fosse tecido de fuma?a. Aproximou-se com cautela.

  “Quem anda no deserto das brasas sem chama?”, perguntou uma voz frágil, grave como um tambor distante.

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  Arien ergueu a lan?a e, por baixo do capuz, os olhos do eremita Khron cintilaram com reconhecimento. Ele n?o envelhecera um dia desde as histórias de sua infancia; o rosto ainda guardava as marcas de quem passou décadas estudando o mistério dos elementos.

  “Vim buscar respostas”, disse Arien, mantendo a lan?a firme. “Sobre a Chama Estática… e sobre quem a controla.”

  O eremita sorriu, mas era um sorriso sem alegria. Aproximou-se e, num gesto lento, colocou a m?o sobre o ombro de Arien. A areia sob seus pés ruiu, e por um breve segundo, Arien sentiu o calor de uma chama— jamais ardendo, porém queimando por dentro.

  “Antes de saberes o nome do fogo, deves sentir sua contradi??o”, murmurou Khron. Tirou do manto um peda?o de l? negra e envolveu o fragmento de cristal na m?o de Arien. “Este deserto é o altar. Suporta sete horas de passo sem descanso e, ao cair da noite, beba a água do po?o oculto sob as pedras vermelhas. Só ent?o poderá ver a Chama Estática.”

  Arien ergueu o cristal envolto em l?. O objeto pulsava mais forte, projetando uma sombra de chamas silenciosas nas palmas de sua m?o.

  Antes de o questionar, Khron virou-se para o leste, onde as dunas formavam um labirinto de rochas carmesins. “Lá encontrarás o po?o — e, talvez, o primeiro peda?o do seu passado secreto. Mas tome cuidado: os ecos do deserto n?o perdoam quem busca poder sem cora??o.”

  Enquanto o eremita sumia na bruma escorreita do deserto, Arien sentiu, pela primeira vez, o peso de sua miss?o. N?o bastava sobreviver à trilha; ele devia enfrentar o próprio fragmento que trazia, encará-lo como um espelho de sua dor e decidir se aquilo o consumiria… ou o impulsionaria adiante.

  Com o punho cerrado em torno da lan?a, ele deu o primeiro passo rumo ao labirinto carmesim, pronto para enfrentar as brasas silenciosas e provar que seu juramento n?o seria derretido pelo fogo que nunca queimou.

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